sábado, 13 de novembro de 2010

Manuela

Manuela foi e não foi volta pra casa
pra arregar o almoço e saciar o umbigo
que pálido e sujo cola na costela
que enclausura as lombrigas
num retiro casto de leite e gordura

Manuela amarela corre descalça nas vielas da vida
saltita feito mula no lixo da feira do sábado de manhã
bem dizendo a dádiva divina que lhe faz correr

anda Manuela pelo meio do mundo de uma rua só
colhendo memórias e semeando lembranças
nos outros e outros que vêem Manuela só sorriso passar

Manuela não calça patrão algum
ela não pede nada, não mendiga, nem cheira o suvaco alheio

Manuela tem o dom não terreno, coisa super estranha
de gente de fora da terra, de gente de fora do mundo
de gente de outro lugar

Manuela cativa tão forte, tão rápido
gente que nunca viu Manuela na vida
por pura identificação das almas
coisas dos olhos que ninguém entende [é coisa só sentida]

Manuela não sabe contar mais que cem carneirinhos pulando a cerca
nem sabe se cerca é com "C" ou com "S"

mas Manuela sabe o que é perto e o que divide
sabe o que separa e o que junta
e sabe da impossibilidade da transferência de sentimentos por osmose

Manuela é menina esperta, menina sabida
que sabe mais coisa da vida do que todo mundo dessa sala
todo o mundo desse mundo
sabe mais coisa que todas as estrelas do universo

porque Manuela que é Manuela
já desistiu de contar e saber de tudo
pra descobrir que mais importante é o que se sente
das pontas dos dedos ao fundo da alma...

Perante os parênteses

nada vem a boca, não sei se é cheio ou vazio
não sei se é fartura ou se é falta
só que me falta palavra
seja coisa dita, coisa pensada

não tem a ver com coisa alguma
não tem a ver com dor, nem carne
não tem de ambas as partes preocupação ou receio

da parte que me cabe, das duas, das três e meia partes de mim
rogo por ter pressa, por ter ansia, por ter medo
de viver e morrer assim, sem poder ser ímpar, de ser par eterno

nas cores e tons de cada manhã, cada som, cada bronze
feito memória recente e memória dormida
na missão de lembrar as mazelas da vida
de lembrar pormenores de fagulhas felizes

[queima e arde em gozo um estalo refrescante de saudosa sinfonia a alma]

caduquices existenciais...